quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Como sobrevivi à São Paulo

Cheguei em São Paulo e fiquei mais ou menos 1 mês sem pedalar, até que consegui um trampo como bike courier, tive que comprar a Easy Rider que vocês já conhecem, com a qual estou muito satisfeito.
São, portanto, quase 2 meses pedalando de segunda a sexta, das 8h às 18h, basicamente, onde meu percurso varia entre todas as zonas de São Paulo, num raio de mais ou menos 10km a contar a partir da base - empresa Carbono Zero Courier (CZC). Em média, pedalo em torno de 50km/dia, e geralmente percorro as principais ruas e avenidas da capital. As vezes rola de pegar uns atalhos menos movimentados, mas é raro isso acontecer, visto que qualquer rua aqui em São Paulo é movimentada aos padrões de Manaus, por exemplo, onde costumava pedalar.
Com essa média diária de pedalada, você fica mais exposto, obviamente. Mais exposto ao sol, à chuva, ao vento, à poluição, às pessoas e, claro, aos carros.
Antes de vir de vez pra cá, comentava com meus amigos lá de Manaus que iria continuar pedalando, que não ia parar, alguns ficaram assustados com isso pois já tinham vindo aqui ou ouvido falar que o trânsito era caótico, em todos os sentidos. Que as pessoas costumavam andar muito rápido nos seus carros e que era muito perigoso. Fiquei pensativo e tentei lembrar de como era o trânsito aqui nas outras vezes que vim, não consegui lembrar de muita coisa, pois quando saía, ou era de ônibus, de metrô ou de carro, não tinha como ter uma noção exata. Confesso que fiquei receoso, afinal, minha vida passaria a ser movimentada pela bicicleta, não tenho carro (e nem pretendo fazer uso dele tão cedo).


Dia 09 de Janeiro de 2013, serão 2 meses pedalando pela CZC e pedalando por conta própria, e no início, onde já tive que sair da minha casa de bicicleta para o meu primeiro dia de trabalho como bike courier, foi no mínimo tenso.
Bom, pra vocês entenderem um pouco melhor de como foi tenso, vocês precisam saber como funciona o serviço de um biker. Basicamente é o mesmo serviço que os motoboys fazem, só que utilizando apenas bicicletas. Outro diferencial é que 90% das coisas que precisamos carregar são documentos, os outros 10% se dividem em pequenos volumes e não tão pesados como livros, alguns aparelhos eletrônicos pequenos etc. Necessariamente você precisa pedalar nas ruas. Mesmo em São Paulo, a quantidade de ciclovias é pouquíssima para suprir as nossas necessidades, e as ciclofaixas só funcionam aos domingos e feriados, quando não temos expediente. Meu primeiro teste foi sair da Av. Paulista e cair num bairro chamado Santana, que fica na Zona Norte de São Paulo. Precisava trocar minha tranca, que era daquelas em espiral de aço, só que fina, e uma das exigências do trampo era ter uma tranca tipo u-lock, de ferro e mais resistente.

A: Rua Bela Cintra (Base da CZC, próximo à Paulista) B: Loja Decathlon no Shopping Center Norte, Zona Norte de São Paulo
Depois de vocês terem noção do caminho que fiz pela primeira vez de bicicleta, vocês agora entendem como foi tenso pra mim nos primeiros dias de trabalho. Andava com um guia de ruas na mochila, grosso e que pesava, mas que era necessário.
Graças a Deus, depois que você passa a receber vários serviços, muitas vezes para os mesmos locais, você começa a se familiarizar com os locais e caminhos que tem que fazer. Depois de um tempo passou a ser fácil me deslocar sem precisar do guia (me livrei dele).
Uma vez acostumado com os locais, passei realmente a observar o trânsito, como ele se comportava em diferentes lugares, quais eram os padrões em cada rua ou avenida em que percorria e como era diferente do trânsito de Manaus. Numa conversa nada encorajadora com um dos bikers da CZC, onde falávamos sobre a educação do povo no trânsito em relação a nós, usuários de bicicletas, ele me dizia que se em Manaus eu encontrava um ou dois motoristas mal educados e que tiravam fina de mim na rua, aqui em São Paulo eu iria encontrar dez ou mais, por dia. Vindo de um paulistano acostumado a pedalar aqui, essa estatística em nada me favorecia. Mas o fato é que eu nunca saberia realmente se não pusesse essa estatística à prova. Começavam as minhas aventuras pela cidade e vou falar pra vocês, o cara tava certo.


Em média, a cada rua que percorro saindo de um ponto A ao ponto B, pelo menos 1 motorista tira uma fina da minha bike, coisa de 40cm de distância, as vezes menos. Essa quantidade me assustou um pouco e nos primeiros dias de trabalho quase não ganhava nada, pois pedalava mais devagar e mais inseguro, e pedalar assim era não ganhar dinheiro, pois ganho por serviço feito. Começava a pensar se ia durar pelo menos 2 semanas trabalhando como biker. Me desanimei um pouco, pois queria muito continuar a pedalar e precisava de grana, não podia parar, mas o trânsito caótico daqui me forçava a isso. Era motorista de carro tirando fina, me fechando nos cruzamentos, era motoboy super apressado buzinando atrás de mim pra eu sair da frente, motorista de ônibus vindo a milhão atrás de mim querendo passar, sem falar nos taxistas... foi foda! Além de tudo isso, quantidades grandes de fumaça e fuligem indo direto para os pulmões. Minha mãe não queria, minha mulher não queria, meu pai todo dia quando chegava em casa falava que isso não era trabalho pra mim. Estava com todos os motivos dispostos na minha frente que podiam me fazer desistir, mas aí lembrei que quem faz a minha segurança sou eu mesmo, não é mais ninguém. A minha permanência nas ruas de São Paulo só dependia de mim, nada e nem ninguém ia mudar sua maneira de viver aqui porque um simples caboclo de Manaus resolveu pedalar numa cidade grande. Mudei minha maneira de pensar e resolvi me inserir definitivamente na cidade, como mais um cidadão, como mais um ciclista. Pensei, pensei, pensei. Lembrei de todas as pedaladas que fiz em Manaus, de todos os lugares que fui, lembrei da Little Purple e dos passeios pela rodovia AM 010. Mas pensei no seguinte também: mesmo Manaus sendo bem menor que São Paulo, nunca sofri nenhum acidente por lá, graças a Deus. Levei várias fechadas e finas de motoristas de todos os tipos, sempre me saí bem disso tudo. Aqui isso tudo aumentaria, mas a minha atenção e cuidado teria que aumentar proporcionalmente. E assim ocorreu. Não deixei de levar fechadas e finas, aliás tudo isso só aumentou. Me deparei com infinidades de pessoas mal educadas e estressadas no trânsito, mas graças a Deus, até agora não sofri nenhum acidente. Meu ânimo voltou, encontrei meu jeito próprio de pedalar pela cidade, encontrei os padrões que preciso saber para poder me comportar de forma adequada, meus serviços passaram a render mais e hoje pedalo mais livre, mais seguro e mais rápido. O trânsito não mudou nem a educação das pessoas, mas eu tive que me tornar maior, mais visível, já que estava numa cidade maior e com muito mais carros. Tive que me adaptar se quisesse continuar a fazer uma das coisas que mais amo.
Pedalar aqui vai ficando mais agradável com o tempo. Você começa a encontrar outros usuários que todos os dias saem das suas casas para trabalhar, usando a bicicleta para se locomover. Depois de um tempo você simplesmente define a forma como você vai pedalar aqui, o melhor lugar para ocupar na pista, onde você pode ficar e onde não pode. Você passa a identificar um bom motorista e um mau motorista, acha rotas alternativas e mais seguras. O tempo passa e te traz a sabedoria de identificar avenidas onde você tem que pedalar mais rápido ou onde você pode relaxar mais e fazer uma pedalada mais tranquila, e muitas outras coisas que você só vai aprender numa cidade grande como aqui e se pedalar mais confiante. Não é que nunca tive medo do trânsito, preciso ter, mas não deixo que ele me exclua e passe por cima de mim. Sou usuário de bicicleta, a uso para trabalhar e para me locomover, preciso das ruas e do meu espaço tanto quanto os carros e as motos precisam. Se eu quiser continuar pedalando, fazer realmente uso da bicicleta para me locomover, não posso deixar que me apaguem, que me excluam, que me ignorem. Por isso pedalo sempre à vista dos outros, no meio da faixa, sempre à direita, quem quiser que espere eu passar para dobrar ou parar num ponto de ônibus, meu motor são minhas pernas, não posso ir numa velocidade além do que elas podem produzir, quiçá, quando estiver com muita boa vontade, poderei apertar mais o ritmo para que você, motorista, possa chegar no seu destino mais rápido do que eu, o que duvido muito que possa acontecer. Não aqui.
Enquanto isso vou fazendo a minha parte, evitando subir em calçadas (as vezes é inevitável,ou sobe ou morre), parando sempre nos sinais vermelhos, dando preferências aos pedestres, não poluindo, mantendo a minha saúde em dias e contribuindo para a sua saúde também.
Depois de quase 2 meses pedalando e [vi]vendo um pouco de tudo aqui, começo a querer buscar ares mais puros e novas aventuras. Preciso viajar de bicicleta. Já até escolhi um provável destino: Santos. Existe uma conhecida estrada desativada que chamam de Estrada Velha, que liga São Paulo à Santos. Lá só podem utilizar ciclistas ou andarilhos, qualquer outro tipo de veículo motorizado está proibido por lá. A ida é só descida, descendo serra. Que maravilha!
Muito tempo sem escrever reflete no tamanho do texto. Sei que tá grande, mas precisava desse tempo para poder escrever sobre como é pedalar aqui em São Paulo e quase ia esquecendo de falar que nem todos os motoristas são maus motoristas. Aqui você encontra um motoboy que espera calmamente você percorrer o corredor de carros inteiro até que você possa lhe ceder a vez (coisa que alguns fazem também, ceder a vez). Aqui você encontra bastante motorista de carro cedendo a vez também, mesmo quando o sinal está livre para ele. Motoristas de ônibus que veem sua dificuldade para passar num corredor  apertadinho de carros, e num gesto muito bacana, viram o busão um pouco mais pro lado para que você consiga passar, sem falar nas vezes em que eles fazem a sua escolta num corredor onde só eles podem andar, só para garantir a sua locomoção e a sua segurança. Tem dias que não aparece uma boa alma dessas, mas quando aparece, você fica motivado a continuar pedalando. Mas o grande barato é que as vezes você dá sorte de encontrar algumas personalidades. Eu, por exemplo, encontrei com Renata Falzoni na Faria Lima, e pedalamos juntos por alguns minutos na ciclovia que tem lá.

Ciclovia da Av. Faria Lima - São Paulo

Renata Falzoni - Cicloativista e Bike Repórter da ESPN

Se chegaram até aqui, meu muito obrigado pelo tempo que dedicaram à leitura, um grande abraço e feliz ano novo.

Fiquem com Deus!

Pedale Atrás dos Seus Sonhos

9 comentários:

  1. Aeeeee.... saudade de ti moleque doido! heheheh.
    Po essa viagem ai pra santos deve ser massa hein?Deu até vontade :).
    Que bom que vc ta se adaptando ai, espero que dê td certo. Abraço mano!

    Edinho

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Faaaala, preto! Saudade tbm, mano! Então, cara, e nem é tão longe. É quase a mesma istãncia pra Rio Preto da Eva. Valeu pela força. Quando é que tu vens por aqui? Abraço!

      Excluir
    2. Cara a Adriana ta indo agora dia 15, não vai dar pra eu ir mas nas próximas ferias vou programar pra ir ai. ;)

      Excluir
    3. Beleza, depois pede pra ela dizer onde ela vai ficar e quanto tempo, pra gente programar e fazer alguma coisa.

      Excluir
  2. Grande Duda,continue sempre escrevendo.Isso encoraja mais o povo a utilizar a bike.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Valeu, meu nobre, saudade. Essa é a intenção. Encorajar esse povo a utilizar a bike e a quem já usa, continuar usando, mesmo em suas dificuldades.

      Excluir
  3. Confesso que lendo o início fiquei tensa só de imaginar.. Acho muito corajoso da tua parte, deve ser muito louco (no melhor sentido) se locomover em SP de bike, coisa que eu vejo muita gente fazendo. Evitar tumulto e fazer seu próprio trajeto só pode ser incrível. Ainda mais com a chance de contemplar lugares bacanas, vivenciar experiências que são para poucos, se exercitar e exercitar a cidadania. Queria que todos aprendessem a respeitar os ciclistas e esse meio de locomoção que é tão antigo, mas é cada vez mais a cara do mundo que nós queremos. Com menos poluição e mais respeito pelo próximo. Beijos e boas pedaladas!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pois é! Acho que todos deveriam experimentar pedalar (ir ao trabalho, fazer pequenas compras etc) pelo menos uma vez na vida. Mas c sabe que o problema não é só a má vontade, a falta de incentivo. Enquanto a mídia e administração pública não colaborarem como deveriam, ainda veremos bastante carro por aí e muito ciclista insatisfeito, sendo atropelado etc. A educação vem de casa, nem que seja através da tv.

      Excluir
  4. Muito legal o texto e a experiência que tá vivendo. Tenho uma easy rider também. Vc me motivou a usar mais bike pros meus deslocamentos diários (tudo muito perto - trabalho, faculdade, casa)... Abraço!!!

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...